domingo, agosto 27, 2006

Breves divagações acerca da obra:

Divagações: "Kant é um babaca." De acordo com Perelman, essa é uma boa maneira de se iniciar uma má-argumentação. Certamente, não há nada mais babaca, do ponto de vista racional (talvez apenas esse termo seja mais babaca), que argumentar que o outro é babaca. E no "mundo real"? Perelman é adequado, metonimicamente (?) falando? Sei lá, isso não me interessa. Vou ao que me interessa:

"Muito longe daquilo tudo, um cinegrafista amador filmava o estranho acontecido. Nascia o anteprojeto de 'Clube da Luta'!"

Muito pior que meu final. A sugestão acima tem os seguintes defeitos:

1 - Hermes e Renato já fez piada um pouco semelhante em um de seus melhores quadros: Este aqui
2 - Nem todo mundo conhece "Clube da Luta".
3 - Muito meio nada a ver com a trama esse final aí.
4 - É uma porcaria.

Agora... Chegar de voadora inesperadamente... Isso sim é pressão! Pense quando Hollywood (O Sílvio se negou! Sacanagem!) comprar meus direitos autorais. Trilha sonora já tocando e tal, parecendo que o filme vai terminar no quebra-pau desigual mesmo, a vitória de Zwangs, câmera já se afastando... De repente, A câmera volta numa aproximação closática veloz; dá um slow e gira 360 graus (mais que isso é meio brega) durante a voadora de dois metros de Alexsofu (acompanhada, obviamente, de grito ninja). Mudança repentina para velocidade normal e figurante levando uma porrada feia e caindo ("Uh!"). Seria algo como Lindomar , ele golpearia e já sairia correndo derrubando mais uns dois figurantes babacas a frente. Zwangsgewalt olha surpreso em meio à confusão e dá um pique, intensificando o empenho na batalha. Câmera aérea. Volta a se afastar lentamente e entra a tela preta com uma musiquinha pressão! Tudo isso em uns quinze segundos.

Acho que vou chamar de foto-filme. Foto-novela de ação não é algo muito comercial, não tiro as razões do Sílvio. Foto-seriado é uma concessão mercadológica. Não e não!

Está mais do que na cara que, ao final da trama, várias indagações filosóficas, psicológicas e psicofrênicas* surgem na mente de todos. Uma delas é a posição de Zwangsgewalt perante a realidade. Confabulemos:

Se excluirmos os traços psicopatológicos (e os frênicos também) do nobre guerreiro, o que temos é um pretenso defensor da ordem e da lei a todo custo. Não temos na figura de Gewalt um defensor da justiça. Ao contrário dos seriados e filmes fubangas propagadores do maniqueísmo de quinta que tanto agrada aos estadunidenses, não existe a figura do rapaz dotado do mais incontestável senso de justiça. Aquele que pode ter defeitos, mas segue o imperativo categórico. Esse ser mitológico que seria digno de pertencer à sociedade dos homens de bem que, talvez, só exista na cabeça de Kant e do resto do mundo {ou só na cabeça dos sabidos, pode ser, ou na dos que dominam a gramática [numa visão mais marxista (caso busquemos os primórdios disso tudo)]}. No mundo do "dever-ser" (inútil. Inútil!) de Kant, o direito é submisso à moral. O direito é bonzinho (nasce da ética, que nasce da razão que sabe a priori o que é o "certo"), pois visa concretizar um bem comum invariável. Ele se origina da lei moral que todos temos dentro de nós. Aliás, nesse mundo aí, nem se precisa de Direito, visto que o homem é um exemplo de moralidade. A liberdade é praticamente a felicidade. E para que a liberdade impere basta seguir o imperativo categórico. Kant acredita nessa entidade abstrata chamada "bem". Sei que exagero, mas, este microuniverso aqui - o blog - é meu. Eu sou a autoridade e ele, obviamente, nasce da minha vontade. Que se dane se ele é imbecil ou anti-racional ou sabe-se lá o que.

Vale lembrar que Kant era religioso ao ponto de ser alvo de piadinhas até hoje. Aliás, talvez esteja aí a explicação dele falar em mundo transcendental perfeito e cheio de absolutos, logo ele, que trouxe um questionamento gnosiológico revolucionário (limites do conhecimento humano e tal). Talvez, aí se explique também essa crença na lei moral universal. Não estou dizendo que religiosidade é sinônimo de fraqueza. Eu, que desconfio de que era mais esperto quando tinha meus catorze anos, nunca diria isso, eu acho. Nem ateu eu sou por sinal.

Oh a lei moral universal! Kant que me perdoe, mas, hoje, não quero concordar com ele. Olha que legal essa definição do imperativo categórico kantiano aqui. Leia o resto do texto e veja como Kant acreditava que iria salvar o direito para sempre das garras do relativismo moral. O filósofo alemão não conhecia as "pragas" que estavam por vir. Um pouco mais sobre a "Lei de ouro" aqui.

Dou um desconto a Kant. Ele não acreditava no homem essencialmente bonzinho (o Direito existe devido às imperfeições humanas). Fez até uma frase sobre madeira, que, ao final das contas, queria dizer que nenhum homem era exemplo incontestável de retidão. Gosto, inclusive, da parte mais "bonitinha" do seu pensamento, que é quando ele afirma que mesmo sabendo que só se possa alcançar a justiça absoluta no mundo transcendental (teoria dele lá), devemos agir como se isso fosse possível aqui neste mundinho idiota. Também, quem não gosta de algo tão cristão? (Sim. A obra do filósofo alemão tem um quê de auto-ajuda :) As conseqüências disso tudo também são bem aceitáveis. Através do imperativo categórico torna-se possível um Estado de Direito de pretensões universais (vai ver foi daí que partiu John Lennon para criar aquela teoria do Estado meio estranha lá). É a moralidade unindo a raça humana.

O contrato social em Kant é algo natural. Nada muito histórico ou empírico não. Para ele, o homem sabe que a anarquia e o despotismo são formas que consagram a desproporcionalidade entre ordem e liberdade. Por isso mesmo, para que o contrato social dê certo, ele deve ser fincado em valores liberais (não no sentido pejorativo da palavra) e universais protegidos por autoridades competentes capazes de manter a ordem. O contrato social é, portanto, mais que a origem da sociedade, é a sua razão de existir. Não pode ser considerado um mero fato histórico.

Numa coisa Kant está certo. Não dá pra deixar de acreditar na justiça. Por isso mesmo, muitos criam e crêem (n)a tal justiça eterna ao observarem uma intolerável falência moral da justiça humana. Kant crê na justiça universal, daí um dos motivos de ele acreditar na possibilidade de um juiz ser imparcial. O juiz legal é aquele que se livra o máximo possível das questões subjetivas. Bem, Kant me mostrou que não posso ser bom juiz e sou grato a ele por isso, ainda que eu não acredite totalmente (parcialmente? Eu não sei) em Kant.

"Tópico isolado - Kant e a moral: Só pode ser mentira. Apenas depois de milhares de anos alguém resolveu diferenciar direito de moral? Essa 'conquista' de Kant é meio estranha. Está certo que 'caráter coativo do direito' vem desde Thomasius, segundo o que acabei de ler, mas ele não chegou a estabelecer critérios sólidos de diferenciação entre direito e moral. Estranho."

Liberdade, livre arbítrio (a obediência à lei moral vem da nossa vontade), culpabilidade, heteronomia do direito, existência da moralidade como algo essencial à existência da legalidade... Tanta coisa relacionada a este grande filósofo. Mas deixa pra lá.

"Tópico isolado II - da fraqueza das idéias etmiométricas: Aham. Esse é o termo que eu acabo de inventar para denominar minhas considerações. Chamo isso de psicologia da linguagem com toques especiais etmiométricos. Sou um eterno reclamão (ainda falo mal do Parreira e de outras figuras que cometeram coisas terríveis inclusive) e devido a isso, volto a reclamar do tempo insuficiente e da minha falta de competência organizacional para fazer todas as correlações e desenrolamentos de tudo o que eu afirmo. Lamento pelo único motivo de que, no futuro, sei que não lembrarei de quase nada que complementaria os textos. O que hoje pra mim é natural e simples, amanhã será de uma obscuridade talvez maior até de que a que um hipotético leitor teria ao se deparar com essas tralhas aqui. Enfim, minha memória é a coisa mais lamentável que existe. Eternizado PONTO FINAL"

Pode-se até argumentar que Zwangsgewalt é um reflexo do predomínio da corrente positivista na maneira de se pensar o Direito e as formas mais brandas de controle social; dizer que uma lavagem cerebral bem feita pode deturpar a lei moral universal fazendo com que esta se confunda com o imperativo hipotético (também kantiano e relacionado à legalidade); ponderar que ele até conhece a lei moral universal, mas que não a segue só pra pirraçar o falecido filósofo (essa ia ser bem tosca, é verdade). Bem, o fato é que Zwangsgewalt não estava nem aí pra filosofia kantiana. Ele pouco se indagava sobre qualquer coisa desse tipo, apesar de ser gênio da física e da matemática, e assim se manteve até o final da história. Para o brasileiro, moralidade era legalidade (não é uma característica do positivismo jurídico, mas era uma escolha dele, que por sinal, não tinha idéia do que era positivismo jurídico ou qualquer coisa do tipo. Pensava como um soldado).

E o positivismo jurídico? Esse negócio de "Ai, vamos fazer uma ciência do direito. Tem que ser avalorativo viu?!" (sem gozação, juro). Não vou nem falar do paradoxo kelseniano, afinal, para mim ainda é mais que um paradoxo. Sinceramente, fico confuso (novidade...). Ta certo que isso nunca foi motivo pra eu deixar de falar sobre nada, mas juntando-se às necessidades mais pragmáticas... Já viu né? Bem, ele pressupõe o respeito à autoridade competente. É o império da norma. Pra que tudo isso? Ora, Kelsen (e amigos), assim como todo mundo, pretendia alcançar o conhecimento verdadeiro. Para isso, era necessário tornar o direito algo objetivo. Daí a teoria do ordenamento kelseniana e todas as "presepadas" subseqüentes. Baniu-se a justiça da ciência do direito e rejeitou-se qualquer definição de direito que tinha carga valorativa. Kelsen queria organizar o Direito. Vontade, autoridade, todas essas coisas meio frias ganharam força (que poético!). O que é que eu quero?

Bem, resolvi ser radical e estive pensando nos motivos primeiros [sem papo babaca (lembrando: sem querer ser pejorativo) psicológico] que levaram Kelsen a elaborar toda a sua teoria. Assim como todos, o mestre de Viena certamente pretendia tornar o direito algo cada vez mais justo. Sei lá, creio que essa seja uma pretensão universal. Qualquer jusfilósofo, ou melhor, qualquer pessoa que leve o direito a sério deseja isso. Bobbio diz claramente que o positivismo jurídico não tem relação direta com o positivismo de Comte, mas, segundo eu percebo, Kelsen tinha uma fixação pela ordem bem suspeita. Ok, todo cientista (o social também portanto) tem fixação pela ordem, mas qual o valor que predomina na obra de austríaco? Acredito que seja o respeito à autoridade legitimada. Há uma perceptível relação disso tudo com a noção de segurança jurídica. Tendo-se em vista as tais "causas primeiras", o maior expoente (uso esse termo sem querer ser valorativo) do juspositivismo, ao que tudo indica, acreditava na possibilidade de se alcançar a justiça (bem comum ou alguma noção parecida) através de uma sociedade em que todos pudessem facilmente agir de acordo com a lei. O que pretendo dizer é que uma teoria não nasce do nada. Uma teoria do Direito só pode ter como objetivo principal a otimização deste, portanto, não há como fugir do valor como ponto de partida e Kelsen certamente sabia disso. Certamente, ele acreditava que a maior contribuição que o direito poderia dar a humanidade (sentido lato) era um sistema normativo ordenado e coerente (pra ser sucinto).

O progresso é um consenso? Também creio que ninguém se opõe ao progresso em si mesmo. Todos querem o progresso da humanidade? Todos sabem que eu temo qualquer teoria que se proponha universal ou afirme que algo é natural do ser humano. Todavia, se há um objetivo comum a todos os homens... Heródoto está certo com aquele negócio lá do rio, portanto, se as coisas estão sempre mudando, que seja pra melhor. Veja como parece uma obviedade. Por isso meu fascínio pela idéia de progresso. Ela é tão abstrata que, em seu sentido puro (se é que existe), é praticamente um sinônimo da palavra "melhor". Kelsen, como jurista pertencente (creio eu) a isto que chamamos de humanidade, não poderia fugir dessa atração que o progresso exerce sobre todos possivelmente. Odeio (juro) ser determinista, mas a Teoria Pura do Direito não pode ter nascido desprovida de valores, se é que ainda há alguma dúvida sobre isso. Parece-me, mais do que nunca, que toda teoria é o caminho correto para se chegar ao progresso (ainda que não se saiba a abrangência dela) de acordo com o autor da mesma.

Conclui-se, grosso modo (aliás, toda conclusão é grosso modo :), que o positivismo jurídico é a consagração da ordem e da segurança jurídica como fatores que levarão ao progresso. Se é que ficou entendível tudo que eu quero dizer com cada uma dessas palavras. Claro que não estou fazendo ciência. Pode chamar de pseudociência ou lixo (aliás, lixo não, pois, infelizmente, este é util pra muita gente e isso em pleno século XXI). Eu chamo, num contexto geral, de divagações preliminares sobre "os algos" muito desconhecidos.

Um sistema jurídico nem sempre é justo e esse é um dos principais perigos de se confiar tudo a uma dita "visão objetiva" das coisas. A propósito, seria esta uma ilusão? Mera especulação que faço. Não se trata de uma proposta de violação do princípio da separação de poderes, mas sim de um debate sobre as formas de se interpretar o direito. O que tenho percebido é que a definição de Direito está, inevitavelmente, atrelada a algum valor, ainda que camufladamente. Uma definição universal até me parece, às vezes, possível, mas, seria por demais abstrata. Enfim, é um problema muito mais importante do que, às vezes, parece.

Pois bem, o fato é que Zwangsgewalt, como muitos guerreiros, vivia guiado por valores rígidos. E os dele eram facilmente perceptíveis (principalmente tendo-se em vista as cenas II e III do último episódio). Talvez, se não agisse como um exegeta (que, cá pra nós, é um positivismo Hezbollah), não tivesse contribuído para a consolidação de uma ou outra situação injusta. Mas, tudo bem, os mais empiristas podem argumentar que ele nada sabia de Hermenêutica ou Sociologia e que só ensinaram ao animal a arte de resolver cálculos e seguir ordens. Alguns vão dizer que a função dele era aquela mesmo e pronto e outros que ele não tinha conhecimento amplo da situação. Outros outros buscarão ângulos alternativos para observar o fato e por aí vai. Só digo uma coisa: Diga-me quem é Zwangsgewalt que eu te direi quem és...

Bem, será difícil que se entenda, mas... Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito: o céu estrelado acima de mim, aliás, não, isso é coisa de quem vivia em tempos atrasados... Uma coisa me enche o ânimo de admiração e respeito: a lei irracional que existe em mim.

*neologismo que teve seu nascimento com o advento de Breno.

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